Hércules e o poder das escolhas
Herói tebano, filho de Zeus e de Alcmena, Hércules era um semideus famoso por sua impressionante força física. Originalmente era chamado pelos gregos de Herácles, que significa "a glória de Hera". Ele foi perseguido por Hera, a esposa ciumenta de Zeus, desde o seu nascimento até a sua morte.
Ainda jovem, Hércules retirou-se para um lugar isolado a fim de pensar a que gênero de vida se dedicaria. Sozinho, pensativo e repleto de dúvidas, surgiram diante dele duas mulheres tentando arrebatá-lo, prometendo, cada uma a seu modo, conduzí-lo à felicidade.
Uma era belíssima, de rosto majestoso, plena de dignidade, modéstia nos gestos, pudor nos olhos e no modo de vestir; era Aretê - a virtude. A outra, chamada Kakia - a indolência, volúpia ou vício, tinha olhares ousados e era ambiciosa nos gestos. Vaidosa e fútil se vestia com roupas reveladoras com a intenção de seduzir. Cada uma das duas tentava conquistá-lo com suas promessas.
A primeira disse-lhe: " - Tens a opção de seguir um caminho de atribulações, repleto de privações e perigos. Sua estrada será longa e conhecerás a glória. Essa é a promessa dos que seguem Aretê. "
A segunda propõe: " - Poderás seguir um caminho mais fácil e agradável, com alegria e ociosidade. Terás os frutos do trabalho árduo dos outros. Aos meus companheiros, dou autoridade para arrancar vantagem em todos os lugares. Meus amigos me chamam de felicidade, mas entre aqueles que me odeiam chamam-me de Kakia..."
Hércules optou por seguir Aretê, a virtude. Empregou grande parte de sua vida na famosa jornada conhecida como os 12 trabalhos de Hércules, destruiu vários monstros e obteve inúmeras conquistas.
Kakia era uma deusa grega amoral e da maldade, que tentava seduzir as pessoas para o caminho do ganho fácil, para as riquezas de curta duração e para a felicidade momentânea. Também era relacionada à má vontade, à depravação, ao vício e ao descumprimento das leis.
Aretê era personificada como uma deusa, filha de Praxidike - a Justiça. Junto com sua irmã Harmonia eram conhecidas como Praxidikai, as executoras da Justiça. De origem grega, Aretê significava a excelência, a adaptação perfeita, a virtude ligada à noção de cumprimento do propósito ou da função a que o indivíduo se destina. Segundo Sócrates, a virtude é fazer aquilo que a cada um se destina, aquilo que no plano objetivo é a realização da própria essência, no plano subjetivo coincide com a própria e verdadeira felicidade.
Na Grécia Antiga, Aretê significava também a coragem e a força de enfrentar todas as adversidades, uma virtude a que todos aspiravam. A raiz do termo provém de aristos que originou aristocracia, significando habilidade ou superioridade e era constantemente usada para denotar nobreza. O termo era aplicado para qualquer coisa: a descrição de um objeto útil ou para indicar um cidadão exemplar ou um herói. Em todos os casos, a Aretê de cada um envolvia valores diferentes.
Posteriormente, Aretê passou a incorporar outros atributos, como Dikaiosyne - justiça e Sophrosyne - moderação e autocontrole. Platão incorporou esses novos significados tentando estabelecer uma nova definição para Aretê. Aristóteles ampliou seu trabalho e o conceito teve importantes repercussões no pensamento cristão.
Aretê foi também importante elemento na Paideia Grega, o conceito de educação integral para a formação de um cidadão virtuoso e capaz de desempenhar qualquer função na sociedade. O treinamento na Aretê envolvia educação física, oratória, retórica, ciência, música e filosofia, além de educação espiritual. Paideia significava a própria cultura construída a partir da educação. Era o ideal que os gregos cultivavam do mundo, para si e para sua juventude.
O governo de si próprio era muito valorizado pelos gregos. A Paideia combinava ethos (hábitos) que o fizessem ser digno e bom, tanto como governado quanto como governante. O objetivo não era ensinar ofícios, mas treinar a liberdade e nobreza. Paideia também era encarada como um legado que se deixa para gerações posteriores.
A trajetória de Hércules pode ser utilizada como uma metáfora da condição humana e serve ainda hoje como resposta à questão de como devemos viver, de forma a alcançar a paz interior e a felicidade. Uma vida bem sucedida depende das escolhas que fizermos, disso depende o nosso futuro. Temos de saber o que é ou não importante para nós.
A escolha inteligente implica um sentido realista dos valores e das proporções. Este processo de escolha - aceitação ou rejeição - começa na infância e continua pela vida fora. Não podemos ter tudo o que ambicionamos. Com uma vida limitada não podemos ser ou fazer tudo.
A todo momento estamos fazendo escolhas em nossas vidas. Desde a hora que acordamos temos de escolher se vamos levantar ou permanecer mais tempo na cama, a roupa que vamos vestir, como iremos para o trabalho, tomar ou não o café. São as escolhas passadas que nos trouxeram até aqui, e as escolhas de hoje irão nos levar a algum lugar.
Desde pequenos sabemos que, quando fazemos uma escolha, naturalmente estamos descartando outras opções. E, de opção em opção, vamos tecendo nossa vida. Embora não seja fácil, a vida exige escolhas a todo momento. Se escolhemos estudar, temos de abrir mão de alguns divertimentos. Se escolhemos uma profissão de engenheiro, não poderemos nos dedicar à medicina. Se escolhemos ir ao cinema, talvez não dê tempo para encontrar os amigos. Se encontramos os amigos, perdemos o horário do cinema. Não se pode abraçar tudo ao mesmo tempo.
E chega um dia, depois de muitas paqueras e namoros, que temos que decidir se vamos casar com um certo alguém ou se vamos ficar apenas nas paqueras sem criar vínculos afetivos. As duas opções têm seus prós e contras. Casar significa ter responsabilidades e cobranças mas nos dá uma uma linda família com quem podemos compartilhar nossas alegrias e tristezas. Ficar solteiro significa estar livre mas sem ninguém para consolar as tristezas e comemorar as vitórias.
Tudo é uma questão de decisão: morar no campo ou na cidade, ficar no país ou ir morar no exterior, fazer dieta ou ficar obeso, casar ou ir para o convento... Tudo é válido, só que há um preço por cada escolha. Como seria maravilhoso se pudéssemos tirar férias a cada 3 meses de trabalho e viajar pelo mundo desfrutando das mordomias nos hotéis 5 estrelas. Ter filhos e só ter o prazer de brincar com eles sem a obrigação de corrigí-los.
Tal qual Hércules, temos a liberdade e livre-arbítrio, a energia e a força para enfrentar as duras provas da vida utilizando de nossa personalidade criativa que nunca se encontra em estagnação. Também carregamos em nós a capacidade de dispersão, insatisfação, imprudência, temperamento explosivo e complexos de culpa por nos envolvermos demais em problemas dos outros deixando os nossos próprios problemas de lado.
Por isso é tão importante sabermos sobre as escolhas que vamos fazendo durante a vida e refletir sobre elas. Podemos até reavaliar algumas decisões e mudar de rota, mas até mesmo nas mudanças, temos de arcar com as consequências das escolhas anteriores.
O poder de mudar de rota, escolher outro caminho a qualquer momento, pode acrescentar outras vivências, mas nunca anula o passado. No caminho da vida, há aqueles que viajam tolamente, desviando-se, sem perceber e sem se dar conta, quão próximos são os caminhos dos vícios e da virtude. Nós fazemos as escolhas, mas são elas que determinam o que iremos ser...