[Portuguese Version] Artigos Científicos Aleatórios - Síndrome de Húbris: Como o Poder Corrompe

in #science7 years ago

"O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente" - John Acton


Posts anteriores da série:
1 - Evidência de um limite para a vida humana
2 - A Importância da Estupidez na Investigação Científica
3 - O Paradoxo da Dieta


Olá a todos!

Hoje trago-vos um novo artigo: Síndrome de húbris: um transtorno de personalidade adquirido?

Enquanto lia um jornal no fim de semana, encontrei um artigo que apresentou o Daedalus Trust, uma organização cuja missão é aumentar a consciencialização sobre a saúde e a síndrome de Húbris na vida pública e empresarial, bem como encorajar a pesquisa multidisciplinar sobre o tema.
Foi no site dessa organização que encontrei o artigo de David Owen e Jonathan Davidson sobre a húbris, onde abordam os aspetos pouco atraentes e compreensíveis daqueles que anseiam pelo poder, pensando na húbris em termos médicos.

O que é a húbris e as suas características

Húbris é o sintoma de expressões populares como "o poder corrompe", um orgulho exagerado, autoconfiança esmagadora e desprezo pelos outros. Evidência científica sugere que, quando exercida em longos períodos e sem o freio de contrapesos, o poder traduz-se em mudanças cerebrais que levam à arrogância e a perdas de discernimento.

Estas mudanças podem resultar numa liderança desastrosa e causar danos em larga escala.

Os autores do estudo acreditam que um comportamento "hubrístico" extremo é uma síndrome, constituindo um conjunto de características (sintomas) suscitadas por um gatilho específico (poder) que geralmente suavizam quando o poder desaparece. A síndrome de húbris é vista como uma condição adquirida e, portanto, diferente da maioria dos transtornos de personalidade que tradicionalmente são vistos como persistentes durante a idade adulta.

Os autores propuseram 14 sintomas que constituem a síndrome de húbris, mapeando as suas afinidades por vários critérios como transtorno de personalidade narcisista, transtorno de personalidade antissocial e transtorno de personalidade histriónica. Nesse sentido, a síndrome de húbris foi formulada como um padrão de comportamento numa pessoa que apresenta os seguintes sintomas:

1 - Uma propensão narcisista para ver o mundo principalmente como uma arena onde se exerce o poder e se busca glória.

2 -Tendência a agir principalmente para melhorar a imagem pessoal.

3 - Uma preocupação desproporcional com a imagem e a apresentação.

4- Uma maneira messiânica de falar sobre as atividades atuais e uma tendência à exaltação.

5 - Uma identificação com a nação ou organização na medida em que o indivíduo considere a suas perspectivas e interesses como idênticos.

6 - Uma tendência a falar na terceira pessoa ou usar o pronome pessoal 'nós'.

7 - Confiança excessiva no próprio julgamento e desprezo pelo conselho ou crítica dos outros.

8 - Auto-confiança exagerada e uma sensação de omnipotência, no que pessoalmente podem alcançar.

9 - Mostra a responsabilidade apenas para um tribunal superior (por exemplo Deus)

10 - Uma crença inabalável de que nesse tribunal serão isentos de acusações.

11 - Perda de contacto com a realidade (muitas vezes associada a um isolamento progressivo).

12 - Inquietação, imprudência e impulsividade.

13 - Uma tendência para permitir que a sua retidão moral evite a necessidade de considerar simplicidade, custo ou os resultados num determinado objetivo.

14 - Incompetência "hubrística", onde as coisas dão errado porque muita autoconfiança levou o líder a não se preocupar com os pormenores da política.

Para se fazer o diagnóstico da síndrome de húbris, os autores sugerem que mais de três dos 14 sintomas descritos devem estar presentes no indivíduo, dos quais pelo menos um deve estar entre os cinco sintomas identificados como únicos na síndrome de húbris (sintomas 5, 6, 10, 12 e 13).

Então, algum de vocês tem síndrome de húbris? Ou o vosso líder atual apresenta sintomas? Eu não sou um especialista no assunto mas, na minha opinião, os 14 itens apresentados são muito comuns hoje em dia na sociedade. O poder muda aqueles que não são humildes e aqueles que não são conscientes dos próprios limites.

Chefes de Governo nos EUA e no Reino Unido nos últimos anos

Podemos pensar que os Chefes de Governo podem ter uma menor incidência de doenças mentais do que a população em geral, refletindo a personalidade robusta de pessoas que estão preparadas para concorrer ao mais alto cargo político num país.

Pensem duas vezes.

Os autores do artigo enumeraram presidentes dos EUA e primeiros-ministros do Reino Unido, cujas características "hubrísticas" eram mais óbvias (ter em consideração que este estudo foi publicado em 2009):

  • Theodore Roosevelt (1901–09)
  • Woodrow Wilson (1913–21)
  • Franklin D. Roosevelt (1933–45)
  • John F. Kennedy (1961–63)
  • Lyndon B. Johnson (1963–69)
  • Richard Nixon (1969–74)
  • George W. Bush (2001–09)

  • Herbert Asquith (1908–16)
  • David Lloyd George (1916–22)
  • Neville Chamberlain (1937–40)
  • Winston Churchill (1940–45, 1951–55)
  • Anthony Eden (1955–57)
  • Margaret Thatcher (1979–90)
  • Tony Blair (1997–2007)

Com base na lista, é importante mencionar que, por exemplo, Tony Blair e George W. Bush foram conduzidos por uma autoconfiança excessiva, desrespeito das opiniões de especialistas e falta de atenção aos detalhes. A soberba de ambos foi combustível de sobra para a invasão do Iraque, uma decisão baseada no desrespeito dos factos.

Mas, embora existam algumas evidências de personalidades pré-mórbidas, devemos ter em mente que todos os líderes listados ocuparam altos cargos, depois de vencer eleições num processo democrático, sendo julgados por eleitores como aptos a ocupar o cargo.

Medidas preventivas

Como evitar a húbris? A capacidade para abandonar a cadeira do poder em devido tempo é a recomendação mais óbvia. É igualmente importante estar rodeado de quem transmita a verdade, e não apenas de yes-(wo)men.

Na Roma antiga, os generais vitoriosos celebraram a vitória numa parada. Para mitigar os riscos de deslumbramento, era adotada uma medida sábia. Atrás do general, na mesma carruagem, seguia um escravo com uma única tarefa: lembrar o general de sua mortalidade. Dizia-lhe ao ouvido: Memento Mori (lembra-te da morte).

A húbris também se desenvolve devido à conivência, ativa ou passiva daqueles que estão no serviço do líder. Quando alguém ganha poder, os outros mudam seu comportamento para com essa pessoa. Podem desprender-se do seu espírito crítico para com os poderosos, seja porque têm medo de represálias, porque simplesmente não querem ser incomodados ou porque querem obter benefícios.

Como diria Barbara Kellerman, os "crimes de liderança" são frequentemente facilitados pelos "crimes de obediência".

Bibliografia:
David Owen, Jonathan Davidson; Hubris syndrome: An acquired personality disorder? A study of US Presidents and UK Prime Ministers over the last 100 years, Brain, Volume 132, Issue 5, 1 May 2009, Pages 1396–1406, doi.org/10.1093/brain/awp008

Até à próxima,
Legman

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@legman, Parabéns! O teu post foi votado e resteem pelo Projeto Camões!

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PROJETO CAMÕES - LÍNGUA PORTUGUESA NO STEEMIT!

Muito obrigado!

Muito obrigada por compartilhar e, claro, vale um reestem.

Enquanto lia, um filme mudo, só de rostos, passava na minha cabeça.

Sobre a prevenção, acha possível que alguém com tendência a esta síndrome seja capaz de sair de cena antes que a situação se agrave?!

Obrigado pelo comentário tmarisco.
Respondendo à pergunta: sinceramente não acho que qualquer pessoa com esta síndrome saia do cargo que ocupa pelo seu próprio pé. Para isso acontecer, tem que ser uma pessoa com uma humildade e inteligência emocional acima da média. O mundo político e empresarial está repleto de poderosos que tombaram porque não souberam escutar a realidade. Sair da redoma, falar com as pessoas simples e contratar mensageiros das más notícias pode ser um antídoto para a húbris. Esperemos que este post ajude a mudar a mentalidade daqueles que se identificam com a síndrome, esperando assim a suavizar comportamentos.

Obrigada pela resposta e, como deve ter percebido, a minha pergunta foi retórica. De todas as maneiras, só acho que há cura e não uma prevenção. As ações que sugere para evitar o mal maior são uma excelente medida, devem estar presentes desde o início e cultivadas ao longo da vida desses potenciais sociopatas. Por estas e por outras, acho importante ter uma educação (em todos os ciclos) com mais disciplinas de humanidades.

Quando você disse que muitos tombaram, atendo-me somente nos que sobrevivem, pensei logo nos "madalenas arrependidas" que, depois de uma rasteira grande na vida profissional e social, sofrem, refletem, recomeçam e até viram filme. XD

Seguindo para a última parte da sua resposta, sinceramente, não sei até que ponto um sociopata conseguiria se identificar como tal. Até fiquei curiosa e vou perguntar para amigos psicólogos (se for da área ou souber, ficarei feliz por me esclarecer este "grilhinho" bobo).

Mais uma vez, obrigada pelo belo post e pela oportunidade de discutirmos isto nesta plataforma.

Abraços,