A Morte do Ocidente: a democracia, o dinheiro e a decadência em Spengler.
Disclaimer: O texto a seguir foi composto durante minha estadia acadêmica na Universidade Estadual do Paraná, uma atividade para desenvolver a escrita, temática livre. Foi escrito há alguns anos, quando iniciei meus estudos mais profundos de autores como Evola, Spengler, etc; e serviu, como já mencionado, de prática de escrita - Le Goff foi usado devido à necessidade da matéria (Teoria da História). Não o corrigi desde então, qualquer erro ou inconsistência pode ser culpado devido à minha imaturidade (em múltiplos sentidos) na época em que o texto foi escrito.
A Morte do Ocidente: a democracia, o dinheiro e a decadência em Spengler.
“They're making the last film, they say it's the best And we all helped make it, it's called the Death of the West.”
(Death in June, 1984)
Já nos tempos de Roma, Cicero exclamava, em uma de suas oratórias, O tempora o mores!, referindo-se à decadência dos costumes romanos de acordo com sua expansão e com a passagem do tempo, desde os trajes até as formas de beber o vinho. Sendo assim, logo é perceptível o sempre presente saudosismo em qualquer autor que delibera sobre decadência e degeneração, e é justamente este o propósito desse texto – uma maior compreensão da influência da expansão cultural e populacional urbana nas culturas e mentalidades (Welterschauung), além de cumprir com as necessidades acadêmicas de acordo com a prática dos componentes curriculares. É util notar que nesse texto o objeto de estudo específico é um traçado entre a cultura “ário-romana” ou “nórdica”, baseando-se em Evola (1941), e a Welterschauung Faustiana ou Ocidental e Clássica de Spengler, notando também a relação entre as duas em Evola.
Se faz então necessário primeiramente estabelecer o conceito de Weltanschauung, termo em alemão que compreende, segundo Spengler (1973), uma visão de mundo, uma percepção, uma cultura em si, com tudo que nela se encontra, podendo assim também traçar relações com o conceito de “visão de mundo” do filologista prusso Wilhelm von Humboldt, que declara a linguagem como parte inseparável de uma cultura (Underhill, 2009). Entendemos aqui então o conceito de Weltanschauung como substituto de vários termos, como por exemplo raça, que vai de encontro com outros teóricos da época, principalmente com Julius Evola (1941):
"If, in that home, the race cannot be found, this means the race has ceased to exist. A race does not migrate. Men migrate, and their successive generations are born in ever-changing landscapes; but the landscape exercises a secret force upon the extinction of the old and the appearance of the new one." (Spengler, 1991, p. 168)
Também é necessário estabelecer o conceito de decadência, sendo este um conceito muito confuso (Le Goff, 1990). Spengler entende o declínio da civilização ocidental não como um acontecimento catastrófico definido, e sim como um longo processo (denotado pelo termo em alemão que o próprio autor utilizou: Untergang) que começaria assim que uma cultura se transformasse em civilização, quando esse Welterschauung lentamente iria decair, num processo demorado e tedioso.
Spengler (1973) se mostra um inimigo da democracia, acusando-a de ser um mero objeto político do dinheiro, além de colocar a própria mídia como outra engrenagem desse sistema. Ardente crítico do marxismo, o autor alemão também critica conceitos como direito natural, sufrágio universal, liberdade de imprensa e igualdade social, colocando todas essas ideias como meros agentes disfarçados da luta de classes marxista. A própria liberdade seria um conceito negativo, que significa o repúdio de qualquer tradição – sendo assim, todos os conceitos supracitados necessitariam de dinheiro, mostrando a verdadeira face da liberdade.
A decadência democrática então significa a vitória do dinheiro, algo que o próprio Spengler admite ter acontecido em sua época. Outra “vitória” para a democracia seria a necessidade de educação para todos os cidadãos, já que eles precisariam interagir passivamente com a mídia para serem corrompidos e aderirem ao sistema democrático. A única coisa que combateria a força e legitimidade do dinheiro seria o sangue, algo que de início levou Spengler a ser acusado de nazismo, mas claramente por pessoas que nunca leram ou entenderam suas obras, já que a unificação da população no “sangue” descarta suas origens étnicas diversas.
“Long, long ago the country bore the country-town and nourished it with her best blood. Now the giant city sucks the country dry, insatiably and incessantly demanding and devouring fresh streams of men, till it wearies and dies in the midst of an almost uninhabited waste of country.” (Spengler, 1991, p. 102)
E a democracia, causadora de todos os males do homem moderno estagnado espiritualmente, derivou do crescimento populacional urbano desenfreado após a Renascença e a Revolução Industrial, e essa hegemonia citadina sobre as áreas rurais estrangularam também o espírito nacionalista (fortemente relacionado com o conceito de sangue de Spengler), o que seria uma grande causa da degeneração cultural.
É notável então a falsa liberdade de escolha e do livre arbítrio na sociedade moderna, onde tudo é feito com o objetivo de ludibriar outras pessoas e acumular cada vez mais dinheiro. Isso também cria um problema ético e moral na população, que se deixa influenciar pela mídia e pelos próximos, não tendo visão de futuro nem decência mínima – e isso ocorre em todas as camadas sociais, desde o mais pobre até o mais rico. E, ao contrário de pensadores de outrora como Aristóteles e Platão, que acreditavam na resolução desse problema através de educação, otimismo e bons exemplos, venho de encontro com Spengler ao notar que otimismo é covardice (Spengler, 1991), já que o homem vulgar que adere à cultura das massas e à oclocracia, que todos insistem em chamar de democracia, não tem aspirações de mudar sua realidade, conformando-se ao seu bem estar da tecnologia e da vida moderna, acreditando estar livre e “civilizado”.
Necessário também é notar que mesmo após perceber essa realidade do declínio da civilização ocidental e da degeneração cultural em massa dos tempos correntes, não é possível situar-se fora disso, já que todos os indivíduos, mesmo que ativamente “lutem” contra a decadência, fazem parte da Welterschauung e tem sua parcela de culpa. Mesmo assim (e juntamente com a crítica ao otimismo), não se deve perder as esperanças nem ter uma relação estóica com o futuro, já que a História e as culturas são orgânicas, e tem seu ciclo de vida, como nota Le Goff ao analisar Spengler:
“A história – enquanto ciência que pretende explicar a história, enquanto realidade vivida – segue uma via errada do ponto de vista materialista e mecanicista. Só uma história que encara a História como organismo vivo pode dar-se conta disso. [...] Não há continuidade entre estas civilizações. Cada uma delas, fechada sobre si mesma, sem contatos, nasce, cresce, envelhece e morre.” (LE GOFF, 1990. p 341)
Então, tendo como base Spengler e Evola, além de seus comentaristas, é perceptível a causa do famigerado declínio da cultura ocidental: a ganância e sua maior arma, a democracia. As transformações sócio-econômicas e culturais ocasionadas pela Renascença e Revolução Industrial seriam então as causas da “civilização moderna” e a morte das culturas individuais tradicionais, ocasionando um mundo cosmopolitano. Mesmo assim, Le Goff (1990) nos lembra das palavras de Spengler, “para quem morrer é ainda viver até o fim”.
REFERÊNCIAS
SPENGLER, Oswald. A decadência do ocidente. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1973.
SPENGLER, Oswald. The Decline of the West. New York: Oxford University Press, 1991.
SPENGLER, Oswald. O Homem e a Técnica. Porto Alegre: Edições Meridiano, 1941.
LE GOFF, Jacques. Decadência. In: História e memória. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.
EVOLA, Julius. Synthesis of the Doctrine of Race. Milano: Hoepli, 1941.
SEDGWICK, Mark. Against the Modern World: Traditionalism and the Secret Intellectual History of the Twentieth Century. New York: Oxford University Press, 2004.
UNDERHILL, James. Humboldt, Worldview and Language. Edinburgh: Edinburgh University Press, 2009. BELL, Michael. Julius Evola’s Concept of Race: A Racism of Three Degrees. The Occidental Quarterly, s/n, vol. 9, no. 4, Winter 2009-2010. Disponível em < https://archive.org/details/JuliusEvolasConceptOfRace_557>. Acesso em 1º de set, 2015.
DEATH IN JUNE. Death of the West. In: Burial. Intérpretes: Douglas Pearce, Patrick Leagas, Tony Wakeford. London: Leprosy Discs, 1984. 2 CD (42min).
Muito interessante sir @chrysocyon, mas gostaria de questionar algumas coisas. Tenho dificuldade na leitura acadêmica e definitivamente não gosto dela, não por ter essa dificuldade, mas por que me irrita a necessidade metódica de modelos com referência, citações e pontes entre X e Y. Acredito que se a academia torna-se o modelo mais livre (não desconstruidão de esquerda, hahah) mas no modelo literatura científica mesmo, seria muito mais agradável, não só para o aprendizado do aluno quanto para o leitor.
Ok, vamos ao questionamento. Você citou em determinado momento:
"a ganância e sua maior arma, a democracia. As transformações sócio-econômicas e culturais ocasionadas pela Renascença e Revolução Industrial seriam então as causas da “civilização moderna” e a morte das culturas individuais tradicionais, ocasionando um mundo cosmopolitano."
a respeito desse conceito de ganância interligado a democracia você quer dizer o que exatamente? No caso um desejo fora do limite aceitável por bens de valor ou simplesmente o desejo de se ter bens de valor (mesmo que consideravelmente poucos)? A democracia em si eu definitivamente concordo contigo, mas naturalmente não sei se teríamos algum outro sistema mais inteligente que pudesse nos dar a liberdade de mercado que eu acredito, de forma que aí entra em conflito com sua visão de mundo.
Eu entendo o saudosismos pela velha mecânica da vida pré-revolução industrial e acredito que esta tem valor inegável e profundo, mas visando uma percepção de "sempre em frente, já que a nostalgia não muda definitivamente o presente" acredito que a revolução em si, por mais caótica e ambigua que tenha sido, não é um mal irreversível, até por que hoje em dia em tempos de hipsters, mais do que nunca vemos as pessoas valorizando o self made, ainda que estejamos vagando entre uma "moda" e um conceito real que é levado a sério.
Na verdade o artesão nunca deixou de existir, o que acontece é que uma gama de pessoas que não se viria satisfeita como artesão (por que essa ocupação não está em seu modus operandi) não precisa faze-lo, pois sente-se realizada vendendo plástico com sorriso no rosto, já que o que quer é apenas usufruir de seus bens adquiridos para viver uma vida rasa e satisfatória (para seu nível de realidade).
A pós modernidade e toda a cachoeira de absurdos diários jorrando pela internet a fora é a prova inegável dessa decadência da qual você fala, porém, estamos fadados a observar pontos muito específicos da história e escritos por pessoas com pretensões e desejos específicos também, não havia uma mídia para reclamar do que acontecia no mundo na época. E seria no mínimo inocência supor que o passado é ideal e perfeito.
Uma boa leitura introdutória no tema é o livro Sapiens, do autor Yuval harari. Exatamente por desconstruir o conceito de épocas perfeitas (como a impressão que eu tinha que de viver como um caçador coletor era o paraíso do homem).
1 - Também não gosto desse modelo estrito, mas é assim na academia mais 'séria', e ainda mais com o professor que era meu orientador na época.
2 - A Ganância nesse caso não é apenas a busca de algo material, mas sim aquele desejo de sempre ter, de quem não tem sobressair seu posto de vida - não para 'se melhorar', mas sim pra TER; quem já tem constrói oligarquias e fraternidades para que apenas aqueles que os agradam possam subir na vida. É então o desejo além do desejo de simplesmente ter (dinheiro ou não), mas sim algo cego e primal, tipo um hoarding.
3 - Sobre democracia e outros sistemas: a democracia que uso aqui não é o sentido clássico ateniense, que até que funcionava (visto que boa parte da população não era cidadã), mas sim no conceito moderno, que é mais uma cleptocracia, oclocracia, como queira.
4 - Sobre outros sistemas: todos sistemas funcionam para quem está no comando - pro povo, funciona o sistema que lhe providenciar necessidades básicas e que ou limite os sonhos ou providencie maneiras de fulfillment (como agora temos música, bushcraft, etc)
5 - Liberdade de mercado: a liberdade de mercado não existe, só existiria se déssemos um reset no mundo. É um falso deus assim como a democracia - já li o suficiente de autores liberais e economistas (mas não finjo entender tudo, óbvio), e todos eles estão 'errados' devido à falta de percepção do mundo, parece que eles só conseguem ver sua teoria, só conseguem ver o mercado em si, e esquecem que existem 5000 fatores fora o mercado. Hoje em dia NUNCA teremos um real livre mercado - e nunca tivemos. Talvez um dia eu escreva algo, é um assunto que me dá comichão só de ler, de ver pessoas inteligentes caindo nessa armadilha (que pra mim não passa de um falso messianismo como o cristianismo).
6 - Saudosismo: O mundo 'perfeito' era antes da civilização existir. A civilização nega o homem em sua essência. Outro texto para outro dia.
7 - Saudosismo pt. 2: Apesar de pensar o supracitado, na esfera real de ação eu penso algo na linha dos tecnocratas e dos futuristas, principalmente no caso do Novo Mundo - nossos paradigmas não são os mesmos dos Europeus, Africanos ou Asiáticos. Temos que continuar em frente, com raízes no passado, mas sem nos amarrar a elas.
8 - DIY: Sim, isso tá voltando a acontecer MAS já existia antes. Isso é devido à nossa percepção da realidade, sempre foi possível sobreviver assim. Outro texto para outro dia.
9 - Artesão: Assim como já disse anteriormente, sempre existiram e sempre foi viável. O problema - e solução - do futuro é que cada ano mais máquinas tiram as pessoas de empregos nesse sentido... o que é algo muito bom! A produção industrial fordiana é uma negação ao espírito do artesanato - eficiente e inumano. Prevejo no futuro a classe média e alta buscando cada vez mais o mercado artesão por conta de prestígio, como sempre fizeram. Talvez um texto pra outro dia.
10 - Passado ideal e romantização: sei que posso parecer assim muitas vezes, mas não se engane. Por mais que eu romantize o passado, é apenas isso. Já mencionei que a civilização foi o que matou o homem - não li o livro Sapiens, mas vou discordar se ele usar (como muitos usam) os argumentos de que a comida era escassa, a sociedade era X Y Z, saúde etc. Isso não importa no final das contas, é "mais natural" e mais humano do que tudo - sabia que, na verdade, a maioria dos mamíferos tendem a perder a primeira cria? Inclusive os humanos? Pois é, é o tipo de coisa que faz nós perdemos a essência natural da humanidade. Muitos comportamentos irracionais e até muito racionais (você que é do campo da psicologia) vêm dessa época, de onde a humanidade foi construída e estabelecida. Não uso aqui a falácia de que é certo pois foi feito assim por muito tempo, mas sim o argumento do que é que nós deveríamos ser. As formigas não durariam muito se parassem de seguir ordens da rainha e de seguir a multidão - se você ver uma formiga sozinha perambulando, tenha certeza que ela vai morrer de fome e sede, mesmo se ela encontrar água e comida ela não vai usufruir disso.
Espero que tenha respondido tudo, do contrário pode deixar outro comentário :)
Obrigado pela resposta completa :)
É bastante assunto para aprofundar, inclusive ouso dizer que lhe servi de expiração para todos os próximos tópicos hahha, to no aguardo desses temas! Abraço
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