RE: A Morte do Ocidente: a democracia, o dinheiro e a decadência em Spengler.
Muito interessante sir @chrysocyon, mas gostaria de questionar algumas coisas. Tenho dificuldade na leitura acadêmica e definitivamente não gosto dela, não por ter essa dificuldade, mas por que me irrita a necessidade metódica de modelos com referência, citações e pontes entre X e Y. Acredito que se a academia torna-se o modelo mais livre (não desconstruidão de esquerda, hahah) mas no modelo literatura científica mesmo, seria muito mais agradável, não só para o aprendizado do aluno quanto para o leitor.
Ok, vamos ao questionamento. Você citou em determinado momento:
"a ganância e sua maior arma, a democracia. As transformações sócio-econômicas e culturais ocasionadas pela Renascença e Revolução Industrial seriam então as causas da “civilização moderna” e a morte das culturas individuais tradicionais, ocasionando um mundo cosmopolitano."
a respeito desse conceito de ganância interligado a democracia você quer dizer o que exatamente? No caso um desejo fora do limite aceitável por bens de valor ou simplesmente o desejo de se ter bens de valor (mesmo que consideravelmente poucos)? A democracia em si eu definitivamente concordo contigo, mas naturalmente não sei se teríamos algum outro sistema mais inteligente que pudesse nos dar a liberdade de mercado que eu acredito, de forma que aí entra em conflito com sua visão de mundo.
Eu entendo o saudosismos pela velha mecânica da vida pré-revolução industrial e acredito que esta tem valor inegável e profundo, mas visando uma percepção de "sempre em frente, já que a nostalgia não muda definitivamente o presente" acredito que a revolução em si, por mais caótica e ambigua que tenha sido, não é um mal irreversível, até por que hoje em dia em tempos de hipsters, mais do que nunca vemos as pessoas valorizando o self made, ainda que estejamos vagando entre uma "moda" e um conceito real que é levado a sério.
Na verdade o artesão nunca deixou de existir, o que acontece é que uma gama de pessoas que não se viria satisfeita como artesão (por que essa ocupação não está em seu modus operandi) não precisa faze-lo, pois sente-se realizada vendendo plástico com sorriso no rosto, já que o que quer é apenas usufruir de seus bens adquiridos para viver uma vida rasa e satisfatória (para seu nível de realidade).
A pós modernidade e toda a cachoeira de absurdos diários jorrando pela internet a fora é a prova inegável dessa decadência da qual você fala, porém, estamos fadados a observar pontos muito específicos da história e escritos por pessoas com pretensões e desejos específicos também, não havia uma mídia para reclamar do que acontecia no mundo na época. E seria no mínimo inocência supor que o passado é ideal e perfeito.
Uma boa leitura introdutória no tema é o livro Sapiens, do autor Yuval harari. Exatamente por desconstruir o conceito de épocas perfeitas (como a impressão que eu tinha que de viver como um caçador coletor era o paraíso do homem).
1 - Também não gosto desse modelo estrito, mas é assim na academia mais 'séria', e ainda mais com o professor que era meu orientador na época.
2 - A Ganância nesse caso não é apenas a busca de algo material, mas sim aquele desejo de sempre ter, de quem não tem sobressair seu posto de vida - não para 'se melhorar', mas sim pra TER; quem já tem constrói oligarquias e fraternidades para que apenas aqueles que os agradam possam subir na vida. É então o desejo além do desejo de simplesmente ter (dinheiro ou não), mas sim algo cego e primal, tipo um hoarding.
3 - Sobre democracia e outros sistemas: a democracia que uso aqui não é o sentido clássico ateniense, que até que funcionava (visto que boa parte da população não era cidadã), mas sim no conceito moderno, que é mais uma cleptocracia, oclocracia, como queira.
4 - Sobre outros sistemas: todos sistemas funcionam para quem está no comando - pro povo, funciona o sistema que lhe providenciar necessidades básicas e que ou limite os sonhos ou providencie maneiras de fulfillment (como agora temos música, bushcraft, etc)
5 - Liberdade de mercado: a liberdade de mercado não existe, só existiria se déssemos um reset no mundo. É um falso deus assim como a democracia - já li o suficiente de autores liberais e economistas (mas não finjo entender tudo, óbvio), e todos eles estão 'errados' devido à falta de percepção do mundo, parece que eles só conseguem ver sua teoria, só conseguem ver o mercado em si, e esquecem que existem 5000 fatores fora o mercado. Hoje em dia NUNCA teremos um real livre mercado - e nunca tivemos. Talvez um dia eu escreva algo, é um assunto que me dá comichão só de ler, de ver pessoas inteligentes caindo nessa armadilha (que pra mim não passa de um falso messianismo como o cristianismo).
6 - Saudosismo: O mundo 'perfeito' era antes da civilização existir. A civilização nega o homem em sua essência. Outro texto para outro dia.
7 - Saudosismo pt. 2: Apesar de pensar o supracitado, na esfera real de ação eu penso algo na linha dos tecnocratas e dos futuristas, principalmente no caso do Novo Mundo - nossos paradigmas não são os mesmos dos Europeus, Africanos ou Asiáticos. Temos que continuar em frente, com raízes no passado, mas sem nos amarrar a elas.
8 - DIY: Sim, isso tá voltando a acontecer MAS já existia antes. Isso é devido à nossa percepção da realidade, sempre foi possível sobreviver assim. Outro texto para outro dia.
9 - Artesão: Assim como já disse anteriormente, sempre existiram e sempre foi viável. O problema - e solução - do futuro é que cada ano mais máquinas tiram as pessoas de empregos nesse sentido... o que é algo muito bom! A produção industrial fordiana é uma negação ao espírito do artesanato - eficiente e inumano. Prevejo no futuro a classe média e alta buscando cada vez mais o mercado artesão por conta de prestígio, como sempre fizeram. Talvez um texto pra outro dia.
10 - Passado ideal e romantização: sei que posso parecer assim muitas vezes, mas não se engane. Por mais que eu romantize o passado, é apenas isso. Já mencionei que a civilização foi o que matou o homem - não li o livro Sapiens, mas vou discordar se ele usar (como muitos usam) os argumentos de que a comida era escassa, a sociedade era X Y Z, saúde etc. Isso não importa no final das contas, é "mais natural" e mais humano do que tudo - sabia que, na verdade, a maioria dos mamíferos tendem a perder a primeira cria? Inclusive os humanos? Pois é, é o tipo de coisa que faz nós perdemos a essência natural da humanidade. Muitos comportamentos irracionais e até muito racionais (você que é do campo da psicologia) vêm dessa época, de onde a humanidade foi construída e estabelecida. Não uso aqui a falácia de que é certo pois foi feito assim por muito tempo, mas sim o argumento do que é que nós deveríamos ser. As formigas não durariam muito se parassem de seguir ordens da rainha e de seguir a multidão - se você ver uma formiga sozinha perambulando, tenha certeza que ela vai morrer de fome e sede, mesmo se ela encontrar água e comida ela não vai usufruir disso.
Espero que tenha respondido tudo, do contrário pode deixar outro comentário :)
Obrigado pela resposta completa :)
É bastante assunto para aprofundar, inclusive ouso dizer que lhe servi de expiração para todos os próximos tópicos hahha, to no aguardo desses temas! Abraço